Internet resgata artigo em que Marília Arraes defende direito ao aborto

Por Pernambuco em Pauta

Após as polêmicas e a negativa da candidata ao governo de Pernambuco Marília Arraes (Solidariedade) sobre ser favorável ao aborto, está circulando um artigo publicado por ela em 11 de julho de 2007, na seção Opinião do Diário de Pernambuco, em que a então estudante de direito e pré-candidata a vereadora do Recife afirma taxativamente que é favorável ao aborto: “porque manter os olhos fechados para milhares de mulheres mortas ou sequeladas por abortamento inseguro seria semelhante a varrer sujeira para debaixo do tapete”, registra. A pauta também foi defendida pela candidata em sua monografia na faculdade.

Segue transcrição de parte do artigo de jornal:

Não há o que retrate o processo da exclusão social pelo qual passa a maior parte dos brasileiros e das brasileiras. Incoerente seria informar que há pleno acesso à informação e aos métodos contraceptivos por parte da população. Por esta deficiência em nosso sistema de atenção básica e educação sexual e reprodutiva, com segurança podemos afirmar que uma mulher não aborta por irresponsabilidade, muito menos por prazer. Justamente aquelas responsáveis, as que sabem as implicações de se trazer uma criança ao mundo – mas que engravidaram por ter-lhe sido socialmente negado um direito de escolha – estão morrendo em consequência de abortamentos clandestinos e inseguros.

O abortamento acompanha a história das sociedades desde que as pessoas passaram a se organizar como tal. Por ser um fato que envolve o mistério da origem da vida e a interrupção deste processo de formação, permeia o imaginário do ser humano e, inevitavelmente, dá cabimento a crenças, tabus e preconceitos. Mudou a forma de abortar: de beberagens e poções acreditadamente mágicas e procedimentos invasivos a métodos ultramodernos. Mas justamente nos países em que o aborto ainda é criminalizado, os procedimentos abortivos (clandestinos) são extremamente precários. Pode-se dizer que tanto a realização dos abortos quanto as consequências físicas deixadas nas mulheres são as mesmas relatadas, por exemplo, na Antiguidade Clássica.

Ademais, criminalizar condutas como esta expande o abismo social já existente; quem pode pagar por um serviço clandestino de qualidade pode dispor de clínicas bem equipadas e abortar com segurança, técnica e higiene – ao passo que mulheres das classes populares submetem-se aos mais medievais recursos com vistas a interromper uma gravidez. Sim, todas elas sabem que abortar é umcrime, mas isso não impede que prossigam com sua decisão. Inadmissível, porém, que a real penalidade recaia sobre seu próprio corpo. Uma pena capital, principalmente para quem já nasceu sofrendo as mazelas de uma sociedade injusta e desigual.

A descriminalização do aborto é, portanto, um meio de prevenir mortes que seriam evitadas, com um procedimento hospitalar seguro para interrupção da gravidez. Quantas destas que morreram de sangrar – estigmatizadas de criminosas e irresponsáveis traziam consigo a responsabilidade pela harmonia de um lar, pela união de uma família e mesmo pela educação de outros filhos? Seriam salvas vidas com uma história e com um papel social bem definido, envolvendo tantas outras pessoas à sua volta.

Por estas e outras razões, pela primeira vez, o governo federal teve a coragem de defender a questão do abortamento como um problema de saúde pública, desagregado de valores éticos, morais, religiosos e convicções pessoais. Elementos que não devem, inclusive, ser levantados aqui, por limites impostos por nosso Estado Laico: cuja obrigação seria promover debates esclarecedores sobre temas polêmicos e mistificados, ao contrário de aderir a crenças e superstições populares na legislação federal.

Legalizar o abortamento e disponibilizá-lo na rede pública de saúde se trata de uma ação indispensável na luta por uma justiça social. Porque manter os olhos fechados para milhares de mulheres mortas ou sequeladas por abortamento inseguro seria semelhante a varrer sujeira para debaixo do tapete.

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